MANIFESTO DE FORMAÇÃO DA FRENTE POPULAR PELO TRANSPORTE PÚBLICO
Belo Horizonte e Região Metropolitana
Nós, abaixo-assinados, representantes de coletivos e passageiras e passageiros que lutam pela melhoria do transporte público, rumo a um transporte estatal e de qualidade, elaboramos esse manifesto após sucessivos encontros de entidades, movimentos, partidos e cidadãos usuários de transporte público de Belo Horizonte e da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Este manifesto é fruto do acúmulo histórico de quem se organiza há anos pela melhoria do transporte coletivo em nossa região.
O transporte coletivo, que deveria efetivamente ser público, é um serviço essencial para permitir ao cidadão que se desloque em função de trabalho, estudo, saúde, diversão, convívio social, etc. Para que a cidade funcione bem, é preciso que seu transporte seja eficiente. Quanto menor for o tempo de deslocamento das pessoas, maior será sua disponibilidade para realizar diversas atividades. E quanto mais agradável for esse deslocamento, maiores serão os benefícios diretos para os cidadãos e suas cidades. Não só isso, diante das crises urbanas e climáticas vividas em nosso tempo, o transporte coletivo é instrumento essencial para a construção de cidades mais acessíveis, sustentáveis e justas.
O artigo 6º. da Constituição Federal, desde 2015, estabelece o transporte público de qualidade como um direito fundamental, que contribui para garantir a dignidade do ser humano. Entretanto, esse direito tem sido sistematicamente negado à população brasileira, principalmente à classe trabalhadora, à juventude e às minorias que lidam diariamente com esse outros desrespeitos à sua dignidade. Na região de Belo Horizonte é evidente o domínio histórico de empresários de ônibus, com destaque para os irmãos Lessa e a Saritur, que atuam no setor há mais de quatro décadas. Os sistemas municipais e metropolitano de transporte coletivo sofrem todos os dias com a precariedade, acidentes recorrentes, corte de horários, superlotação e altas tarifas, em um contexto que vem se agravando. Governantes e empresários já deram inúmeras demonstrações de inaptidão e mútuo favorecimento.
Cabe lembrar, por exemplo, que Fuad Noman, do PSD, - prefeito de Belo Horizonte que entrou na justiça para garantir o aumento de tarifa para R$5,25 - é o mesmo que assinou, como Secretário de Transportes e Obras Públicas, a licitação de 30 anos do transporte metropolitano, em 2007.
Na RMBH, a atitude não muda entre os diversos governantes: em Contagem, a prefeita Marília Campos, do PT, promoveu reajuste do sistema de ônibus para seis reais, a maior tarifa de ônibus municipal do Brasil, e entrou na justiça para garantir o reajuste, quando este foi derrubado por liminar. O reacionário e neoliberal governador Romeu Zema (partido Novo), hoje um dos principais inimigos do povo mineiro, ao lado dos grandes empresários atua para enriquecer o próprio bolso e atender o interesse das elites e do capital em detrimento do povo. Zema é o principal garantidor do contrato espúrio, que sustenta um sistema precário, com tarifas cada ano mais altas. Zema também, a exemplo dos prefeitos, moveu o aparato jurídico do estado para garantir a espoliação do povo na justiça quando o aumento foi questionado.
No caso específico da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o sistema de transporte coletivo metropolitano foi concedido em 2007, com prazo de 30 anos. Não há nenhum subsídio - isto é, contribuição orçamentária do governo para o custeio do sistema - fazendo com que o financiamento seja feito totalmente pelos passageiros, a parcela mais pobre da população. As tarifas aumentam todos os anos, linhas são cortadas, os ônibus têm a idade média de 10 anos podendo rodar até a idade absurda de 18 anos, acidentes são cotidianos. Nos sistemas municipais onde existem subsídios, a exemplo de Belo Horizonte, o valor é alto - 512 milhões de reais em 2023 - e mal administrado, funcionando mais como um “bolsa-empresário” para que as mesmas empresas que aí estão há 50 anos façam o que quiserem.
O pagamento do subsídio só reforça a exploração do sistema de transporte coletivo sobre o povo trabalhador da RMBH e da capital. Pois, além de pagar a tarifa, a população também paga o subsídio através dos seus impostos, cuja base em geral é regressiva na renda. Esses recursos poderiam ser levantados onerando os mais ricos e gerando justiça social. Da forma como são arrecadados e gastos, ao invés de serem destinados para a melhoria do serviço público em geral, estão indo para o bolso do empresário. O povo paga duas vezes por um serviço precário. Essas condições estabelecem a necessidade da luta por um transporte público, gratuito e estatal, com controle popular, para toda a população.
Todas as cidades da Região Metropolitana apresentam um tráfego saturado, sem fluidez, repleto de acidentes evitáveis. Além disso, os veículos do transporte coletivo estão sempre lotados, atrasados e em condições deploráveis: ar condicionado estragado, janelas emperradas, goteiras e ônibus tão velhos que estragam no meio da viagem. Isso se dá tanto pela falta de financiamento, como por ação e omissão dos governos e empresários. Principalmente na RMBH, interessa ao empresário de ônibus ter o mínimo de ônibus com o maior número de pessoas possível. A superlotação e a precariedade, são um projeto de desmonte do transporte público e não “acidente”. Além disso, é importante lembrar que o atual sistema prejudica os que têm menos locomoção - pois os elevadores, mesmo quando funcionam, são excludentes para a maioria dos passageiros, além das catracas-duplas e outras formas de limitação de acesso.
Por conta da superlotação beneficiar o lucro das empresas, o quadro de horários e as frotas permanecem reduzidas propositalmente, acarretando um tempo de espera extenso nas estações e pontos de ônibus. Nesse quesito, a mobilidade urbana nos horários noturnos, finais de semana e feriados se torna ainda mais sem importância para governantes e empresários, limitando o acesso à cultura e lazer, principalmente para quem mora longe do centro. O recado passado para a população é: mobilidade apenas para trabalhar, excluindo as demais funções e direitos do cidadão ao transporte coletivo. Cabe lembrar que a espera infindável em pontos de ônibus, combinadas à sistemática retirada de agentes de bordo, contribui para um trágico cenário de insegurança dos passageiros, em especial mulheres e população LGBTQIA+, que sofrem com assédios e outros crimes e importunações em ônibus lotados e pontos de ônibus vazios.
Além disso, nota-se a falta de novas linhas de ônibus, com outros itinerários que supram as demandas de deslocamento diversas que se têm nas regiões da RMBH. Muitos bairros têm apenas uma ou duas linhas disponíveis, insuficientes para garantir àquela população acesso pleno à cidade. Assim, os moradores são forçados a pegar duas ou três conduções para chegar a seu destino, tendo que pagar múltiplas tarifas e muitas vezes em sistemas não integrados. Tal ausência é vivida não só quando o cidadão se desloca para locais mais distantes da sua regional, mas também quando circula dentro de sua própria vizinhança. A falta de ônibus circulares intrarregionais obriga, muitas vezes, que o usuário caminhe longas distâncias ou pegue duas conduções (uma até o centro, outra até o bairro) para viajar dentro de sua própria regional.
Ademais, é importante questionar o caráter regressivo das tarifas. Quem mora em bairros mais pobres, seja de Belo Horizonte ou Região Metropolitana, geralmente está mais longe do local de trabalho. Portanto, nesses casos, pagar apenas uma tarifa é raríssimo. E para aqueles que moram na RMBH e trabalham na capital, as passagens das linhas metropolitanas, quanto maior a distância, mais caro é o acesso. É evidente que, por exemplo, os usuários de ônibus metropolitano não são os moradores dos condomínios fechados de Brumadinho ou Nova Lima, de mais alta renda, e sim seus empregados. Ou seja, quem ganha menos, paga mais.
O sistema judiciário, no entanto, é notoriamente tendencioso à burguesia ao fiscalizar a situação do transporte coletivo. Não faltam fiscais para garantir que a tarifa regressiva injusta seja paga, reprimindo nas estações e nos ônibus os estudantes pobres que não tem dinheiro para irem à escola ou à universidade e, por isso, pulam a catraca.
Contudo, a fiscalização não é tão ferrenha para garantir que os ônibus estejam devidamente conservados e circulando de acordo com as demandas do contrato. Não fiscalizam as empresas nas ruas, mas também não fazem questão de exigir que a Saritur pague os mais de 730 milhões de reais devidos aos seus ex-funcionários em FGTS, multas trabalhistas e débitos previdenciários1.A Justiça opera com dois pesos e duas medidas.
Por fim, a precariedade das condições de trabalho dos trabalhadores rodoviários é parte estruturante e fundamental do atual colapso do sistema de transporte coletivo na RMBH. Motoristas suportam dupla-função como cobradores, enquanto agentes de bordo são demitidos em massa. Em seu dia a dia, sofrem com insegurança, estresse ao serem alvos da indignação de passageiros que não têm às autoridades a recorrer, perdem horas no trânsito caótico e desenvolvem problemas crônicos de saúde com o calor, barulho, e más condições dos veículos. Assim, é urgente que sua jornada de trabalho diminua, ao mesmo tempo que os agentes de bordo retornem aos veículos, e os salários e benefícios aumentem. Isso é possível, se o transporte coletivo deixar de ser tratado como secundário e algo voltado apenas para o lucro.
Diante de todo esse cenário, e tendo em vista que o atual colapso do transporte coletivo exige ações enérgicas, radicais e imediatas, ao mesmo tempo que o número de municípios com tarifa zero no transporte já ultrapassou a simbólica marca de 100, é que se formou no começo de 2024 a Frente Popular pelo Transporte Público.
- Tarifa Zero nos transportes públicos em Belo Horizonte e na região metropolitana, por meio de fundos específicos para esse fim. Como medida de transição para esse processo, é necessária a imediata redução da tarifa, além da integração física e tarifária dos sistemas municipais e metropolitano de transporte coletivo, com instituição do bilhete único.
- Criação e/ou reformulação dos Conselhos Estadual e Municipais do Transporte Público, deliberativos, que garantam o controle social de todas as etapas das políticas públicas de transporte metropolitano – planejamento, gestão, operação e fiscalização – para que elas sejam estruturadas de forma integrada, envolvendo a sociedade civil organizada e os trabalhadores dos sistemas de transporte público;
- Construção de uma Governança Interfederativa que seja capaz de promover a busca de soluções para o transporte público, a partir de iniciativas dos poderes públicos municipais, estadual e federal;
- Renovação da frota do transporte público, com acessibilidade, conforto nas viagens (ar condicionado, piso baixo, suspensão, etc) e menos poluentes, além de manutenção e limpeza dos veículos
- Fim da dupla-função dos motoristas rodoviários. Recontratação imediata dos agentes de bordo. Diminuição da jornada de trabalho sem desconto nos vencimentos. Melhoria das condições de trabalho para os trabalhadores rodoviários, em especial dentro do veículo. Melhores condições salariais e de benefícios.
- Restauração da malha ferroviária de Minas Gerais e seus trens de passageiros, a fim de proporcionar transporte público barato, seguro, rápido, não poluente e com baixo custo, além da ampliação das linhas do Metrô de Belo Horizonte, atendendo principalmente à população que vive na periferia dos municípios da RMBH;
- Reestatização do metrô de Belo Horizonte (CBTU).
- Aumento imediato da fiscalização do transporte por meio do controle popular e estatal, com confisco de bens e recursos das empresas infratoras. Extinção da função de fiscalização privada das empresas de ônibus.
- Aumento do investimento público, para a ampliação das pistas e faixas exclusivas ao transporte público, nas principais vias da RMBH, principalmente em BH, Contagem, Betim, Santa Luzia, Ribeirão das Neves e Ibirité. Além de consulta à população moradora do local, com reassentamento chave-por-chave e indenizações compatíveis à região.
- Ampliação substantiva e radical do atual quadro de horários existente, inclusive nos fins de semanas, feriados e horário noturno, diminuindo o intervalo de espera do usuário, que não deverá ultrapassar 10 minutos para todas as linhas.
- Instalação de bancos, banheiros e bebedouros nas estações de MOVE, além de seu funcionamento durante o período da madrugada, com a devida segurança pública. Extinção das catracas duplas no sistema metropolitano. Melhoria de todos os pontos de embarque e desembarque dos sistemas de transporte coletivo, com assento, abrigo, informação clara e iluminação adequada.
- Criação de itinerários perimetrais e circulares que liguem cidades fronteiriças entre si, sem precisar circular por território de Belo Horizonte, além de ônibus que circulem entre as regionais da capital sem passar pelo centro de Belo Horizonte.
- Rompimento imediato dos contratos de concessão de transporte coletivo, municipais e metropolitano, por serem evidentemente ilegais, fruto de fraude e cartel em sua concorrência, além de sistematicamente descumpridos por parte dos empresários. Rompimento com indenização das empresas aos cofres públicos, confisco de veículos e garagens. Regulação visando a estatização do transporte público.
- Investimento real nas estruturas estatais que fiscalizam o transporte público no estado e nos municípios.
SIGNATÁRIOS
- Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas da grande Belo Horizonte - AMES-BH
- Associação dos Usuários de Transporte Coletivo da Grande BH - AUTC
- Associação dos Geógrafos Brasileiros Seção Local Belo Horizonte - AGB
- Central Sindical e Popular Conlutas - CSP-Conlutas
- Centelhas - PSOL
- Coletive Trupe Simbionte
- Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro - CFCAM
- Coletivo Negro Minervino de Oliveira - CNMO
- Coletivo Vozes Maria
- Diretório Acadêmico Carlos Drummond de Andrade - Letras UFMG
- Diretório Acadêmico de Ciências Biológicas UFMG
- Emancipa
- Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico - FENET
- Juntos
- MES - PSOL
- Mobiliza Contagem
- Mobiliza RMBH
- Mobiliza Santa Luzia
- Movimento Correnteza
- Movimento Luta de Classes - MLC
- Movimento Mulheres em Luta - MML
- Movimento Rebele-se
- Movimento Tarifa Zero BH
- Movimento de Mulheres Olga Benário
- Movimento de Organização de Base - MOB
- Movimento de luta nos Bairros, Vilas e Favelas - MLB
- Organização Socialista Libertária - OSL
- Partido Comunista Brasileiro - PCB
- Partido Comunista Brasileiro Reconstrução Revolucionária - PCB-RR
- Partido Comunista do Brasil - PCdoB
- Partido Socialismo e Liberdade - PSOL BH
- Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado - PSTU
- Rebeldia - Juventude da Revolução Socialista
- Resistência
- Revolução Solidária - PSOL
- SindREDE/BH
- Unidade Classista - UC
- Unidade Popular pelo Socialismo - UP
- União da Juventude Comunista - UJC
- União da Juventude Socialista - UJS
- União da Juventude e Rebelião - UJR